Nesse contexto de processos de licenciamento de atividades minerárias ao entorno das terras indígenas localizadas na Amazônia Legal, percebe-se que embora se verifique que grande maioria dos empreendimentos (legalizados) estejam fora dos limites demarcados, é evidente que causam impactos negativos consideráveis sobre as comunidades indígenas, não sendo, portanto, necessário que o empreendimento Minerário, em sua estrutura física, esteja localizado no interior da Terra Indígena, para que seja aplicado o art. 231, §3ª da CF/88 ou ainda a Convenção 169 da OIT.
Afinal, as terras indígenas são aquelas “habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
É o entendimento mais razoável. Isto porque se determinados recursos naturais (de usufruto exclusivo de povos indígenas) são indispensáveis à concretização do empreendimento, entende-se que ele esteja localizado em terra indígena.
Nas sábias palavras do Procurador da República Felício Pontes, MPF/PRR 1ª Região, ressalte-se que: “o que se está a defender é a interpretação da norma conforme o bloco constitucional, entendendo-se que estarão localizados em terras indígenas não somente os empreendimentos cujas obras civis estejam no interior, mas também aqueles em que os recursos naturais dos indígenas são essenciais ao projeto”. (Convenção n. 169 da OIT e os Estados Nacionais/Organizadora: Deborah Duprat. – Brasília: ESMPU, 2015. PONTES, Felício Jr., Audiência pública, oitiva constitucional e consulta prévia: limites e aproximações, p. 90).
Ressalta-se que os impactos imediatos incidem sobre povos indígenas que possuem língua e culturas diferentes, ainda mais quando postos em sinergia com os impactos decorrentes de outros empreendimentos, como ocorre por exemplo com os Xikrin do Cateté, no Estado do Pará, que são cercados por 14 empreendimentos de mineração da empresa Vale S/A, ou ainda com os povos indígenas do Médio Xingu, atingidos pelas atividades da Hidrelétrica de Belo Monte, que podem ser comprometidos pelas atividades de mineração do maior projeto de exploração de ouro do país, qual seja o Projeto Volta Grande do Xingu, da Mineradora Canadense Belo Sun.
Percebe-se que todos os métodos de hermenêutica jurídica corroboram com essa conclusão.
Com relação ao método gramatical de interpretação da norma, qual seja o art. 231, §3º da CF/88, é possível concluir que as obras civis do empreendimento não necessitam, restritivamente, se situar no interior das Terras Indígenas:
[o] critério da necessidade de autorização legislativa para o ‘aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos’, diz com sua vinculação às Terras Indígenas, ao invés de se referir ao local da construção da represa ou de inundação por lago artificial. O parâmetro constitucional é a relação entre, de um lado, os recursos hídricos e os potenciais hidroelétricos e, de outro lado, as terras indígenas: autorização parlamentar válida é imprescindível para o aproveitamento de águas e de potenciais hidroelétricos em terras indígenas. Expressa a ideia com os termos do §3º, o critério constitucional é ‘o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos em terras indígenas’, e não ‘o aproveitamento em terras indígenas dos recursos hídricos, incluído os potenciais energéticos’. A hipótese é de pertença entre as Terras Indígenas e os recursos naturais a serem explorados, ao invés de se cuidar de relação de localidade onde situado o conjunto gerador de energia, composto pela represa e seu lago artificial. Os atos que afetarem os atributos naturais listados no §3º dependerão de autorização parlamentar válida. (fls. 1289/1302)
Já em relação a interpretação no método sistemático e teleológico, na melhor doutrina: “a regra geral é o usufruto exclusivo de suas terras pelos indígenas, o que inclui todos os recursos naturais. Assim, a norma presente no art. 231, parágrafo 3º, somente pode ser compreendida como exceção e como tal deve ser tratada. A ênfase não pode estar no local da obra em si, mas, na proteção dos recursos naturais que são imprescindíveis à reprodução física e cultural dos grupos indígenas” (Convenção n. 169 da OIT e os Estados Nacionais/Organizadora: Deborah Duprat. – Brasília: ESMPU, 2015. PONTES, Felício Jr., Audiência pública, oitiva constitucional e consulta prévia: limites e aproximações, p. 90).
Soma-se a isto, o instituto do indigenato, que formula que a relação indígena-terra é transcendental, pois leva em conta fatores sociais, políticos e ambientais, imprescindíveis a reprodução física e cultural das comunidades indígenas e que não estão retidos nos limites clássicos do Direito Civil, abrangendo a relação material do sujeito com a coisa e o direito de seus titulares a possuírem-na como seu habitat. Assim o conceito de terra indígena é bem maior do que a simples demarcação.
Mencione-se que qualquer interpretação restritiva em sentido contrário abrirá precedente para que se criem projetos com o intuito de burlar a incidência da norma constitucional, provocando a dizimação dos povos indígenas.
Observe a jurisprudência do TRF1 acerca do tema, em relação ao licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica de Belo Monte:
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO, AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EXPLORAÇÃO DE RECURSOS ENERGÉTICOS EM ÁREA INDÍGENA. USINA HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE, NO ESTADO DO PARÁ. AUTORIZAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL (DECRETO LEGISLATIVO Nº. 788/2005) DESPROVIDA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA DAS COMUNIDADES INDÍGENAS AFETADAS. VIOLAÇÃO À NORMA DO § 3º DO ART. 231 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL C/C OS ARTS. 3º, ITEM 1, 4º, ITENS 1 E 2, 6º, ITEM 1, ALÍNEAS A, B, E C, E 2; 7º, ITENS 1, 2 E 4; 13, ITEM 1; 14, ITEM 1; E 15, ITENS 1 E 2, DA CONVENÇÃO Nº. 169/OIT. NULIDADE. OMISSÃO DO JULGADO. OCORRÊNCIA. EFEITOS MODIFICATIVOS. POSSIBILIDADE.
I – Deixando o acórdão embargado de se pronunciar acerca de questão relevante ao deslinde da demanda, como no caso, em que a Turma julgadora não se manifestou acerca da violação da norma dos arts. 3º, item 1, 4º, itens 1 e 2, 6º, item 1, alíneas a, b, e c, e 2; 7º, itens 1, 2 e 4; 13, item 1; 14, item 1; e 15, itens 1 e 2 da Convenção nº. 169/OIT, impõe-se o acolhimento dos embargos de declaração, veiculados com a finalidade de suprir-se a omissão apontada.
II – A discussão que se travou nestes autos gira em torno de direitos difusos, de natureza socioambiental, por se tratar da instalação de empreendimento hidrelétrico, encravado no seio da Amazônia Legal, com reflexos diretos não só em todos os ecossistemas ali existentes, mas, também, primordialmente, em terras e comunidades indígenas, com influência impactante sobre suas crenças, tradições e culturas, conforme assim noticiam os elementos carreados para os presentes autos, a revelar o caráter de repercussão geral da controvérsia instaurada neste feito judicial, que, por sua natureza ontológica, é de caráter difuso-ambiental, a sobrepor-se a qualquer outro interesse de cunho político ou econômico, como no caso, ante o fenômeno da transcendência das questões discutidas no processo judicial, porque diretamente vinculadas à tradicional teoria da gravidade institucional, na visão da Corte Suprema da Argentina, já recepcionada pela doutrina, pela legislação processual (CPC, arts. 543-A, § 1º, e 543-C, caput) e pela jurisprudência dos Tribunais do Brasil, na compreensão racional de que tais questões excedem ao mero interesse individual das partes e afetam de modo direto o da comunidade em geral, a desatrelar-se dos marcos regulatórios da congruência processual, na espécie.
III – Nos termos do art. 231, § 3º, da Constituição Federal, “o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei”.
IV – A Convenção Internacional 169/OIT, que dispõe sobre os povos indígenas e tribais, aprovada pelo Decreto 5.051, de 19 de abril de 2004, assim estabelece: “Artigo. 3º 1. Os povos indígenas e tribais deverão gozar plenamente dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação. As disposições desta Convenção serão aplicadas sem discriminação aos homens e mulheres desses povos. 2. Não deverá ser empregada nenhuma forma de força ou de coerção que viole os direitos humanos e as liberdades fundamentais dos povos interessados, inclusive os direitos contidos na presente convenção; Artigo 4º 1. Deverão ser adotadas as medidas especiais que sejam necessárias para salvaguardar as pessoas, as instituições, os bens, as culturas e o meio ambiente dos povos interessados. 2. Tais medidas especiais não deverão ser contrárias aos desejos expressos livremente pelos povos interessados; Art. 6º Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente; b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes; c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim; Artigo 7º 1. Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas, próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, esses povos deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente. 2. A melhoria das condições de vida e de trabalho e do nível de saúde e educação dos povos interessados, com a sua participação e cooperação, deverá ser prioritária nos planos de desenvolvimento econômico global das regiões onde eles moram. Os projetos especiais de desenvolvimento para essas regiões também deverão ser elaborados de forma a promoverem essa melhoria.4. Os governos deverão adotar medidas em cooperação com os povos interessados para proteger e preservar o meio ambiente dos territórios que eles habitam. Artigo 13 1. Ao aplicarem as disposições desta parte da Convenção, os governos deverão respeitar a importância especial que para as culturas e valores espirituais dos povos interessados possui a sua relação com as terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação; Artigo 14 1. Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes; Artigo 15 1. Os direitos dos povos interessados aos recursos naturais existentes nas suas terras deverão ser especialmente protegidos. Esses direitos abrangem o direito desses povos a participarem da utilização, administração e conservação dos recursos mencionados. 2. Em caso de pertencer ao Estado a propriedade dos minérios ou dos recursos do subsolo, ou de ter direitos sobre outros recursos, existentes nas terras, os governos deverão estabelecer ou manter procedimentos com vistas a consultar os povos interessados, a fim de se determinar se os interesses desses povos seriam prejudicados, e em que medida, antes de se empreender ou autorizar qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes nas suas terras. Os povos interessados deverão participar sempre que for possível dos benefícios que essas atividades produzam, e receber indenização equitativa por qualquer dano que possam sofrer como resultado dessas atividades”.
V – Afigura-se equivocado e omisso o Acórdão embargado, ao considerar que o Supremo Tribunal Federal já declarou a constitucionalidade do Decreto Legislativo 788/2005, apenas sinalizando a decisão monocrática da Presidência da Suprema Corte, nos autos da Suspensão de Liminar nº. 125-6/PARÁ, arquivados em 12/11/2007, sem considerar o que dispõem o Regimento Interno da referida Corte Suprema (art. 21, incisos IV e V) e a Lei 9.868, de 10/11/99 (arts. 10, 11 e 12 e respectivos parágrafos), a exigir decisão colegiada da maioria absoluta dos membros do Supremo Tribunal Federal, na matéria, o que não ocorreu, na espécie. Ademais, não há que se cogitar, na espécie, de invasão da esfera de discricionariedade administrativa, na formulação e implementação da política energética nacional, pela atuação diligente do Poder Judiciário, no controle dessas políticas públicas ambientais (CF, art. 5º, XXXV), em defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, para as presentes e futuras gerações (CF, art. 225, caput), como assim já orienta a sólida jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADPF 45 MC/DF – Rel. Ministro Celso de Mello – julgado em 29/04/2004 e RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. Celso de Mello, inter plures).
VI – Na hipótese dos autos, a localização da Usina Hidrelétrica Belo Monte, no Estado do Pará, encontra-se inserida na Amazônia Legal e sua instalação causará interferência direta no mínimo existencial-ecológico de comunidades indígenas, com reflexos negativos e irreversíveis para a sua sadia qualidade de vida e patrimônio cultural em suas terras imemoriais e tradicionalmente ocupadas, impondo-se, assim, a autorização do Congresso Nacional, com a audiência prévia dessas comunidades, nos termos dos referidos dispositivos normativos, sob pena de nulidade da autorização concedida nesse contexto de irregularidade procedimental (CF, art. 231, § 6º), como no caso.
VII – No caso em exame, a autorização do Congresso Nacional, a que alude o referido dispositivo constitucional em tela (CF, art. 231, § 3º), afigura-se manifestamente viciada, em termos materiais, à mingua de audiência prévia das comunidades indígenas afetadas, que deveria ocorrer à luz dos elementos colhidos previamente pelo estudo de impacto ambiental, que não pode, em hipótese alguma, como determinou o Decreto Legislativo 788/2005, ser um estudo póstumo às consultas necessárias à participação das comunidades indígenas. A Constituição do Brasil não consagrou um estudo póstumo de impacto ambiental; ela consagrou um estudo prévio de impacto ambiental (CF, art. 225, § 1º, IV), e o governo federal quer implantar um estudo póstumo de impacto ambiental, na espécie, assim, anulando os direitos fundamentais dessas comunidades indígenas.
VIII – Na ótica vigilante da Suprema Corte, “a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente”(CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral (…) O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações” (ADI-MC nº 3540/DF – Rel. Min. Celso de Mello – DJU de 03/02/2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, com abrangência dos direitos fundamentais à dignidade e cultura dos povos indígenas, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabelecendo que “o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável.
IX – Nesse contexto de desafios das metas de desenvolvimento para todos os seres vivos, neste novo milênio, na perspectiva da Conferência das Nações Unidas – Rio+20, a tutela jurisdicional-inibitória do risco ambiental, que deve ser praticada pelo Poder Judiciário Republicano, como instrumento de eficácia dos princípios da precaução, da prevenção e da proibição do retrocesso ecológico, como no caso em exame, no controle judicial de políticas públicas do meio ambiente, a garantir, inclusive, o mínimo existencial-ecológico dos povos indígenas atingidos diretamente e indiretamente em seu patrimônio de natureza material e imaterial (CF, art. 216, caput, incisos I e II) pelo Programa de Aceleração Econômica do Poder Executivo Federal, há de resultar, assim, dos comandos normativos dos arts. 3º, incisos I a IV e 5º, caput e incisos XXXV e LXXVIII e respectivo parágrafo 2º, c/c os arts. 170, incisos I a IX e 225, 231, § 3º, da Constituição da República Federativa do Brasil, em decorrência dos tratados e convenções internacionais, neste sentido, visando garantir a inviolabilidade do direito fundamental à sadia qualidade de vida, bem assim a defesa e preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, em busca do desenvolvimento sustentável para as presentes e futuras gerações.
X – A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a consequente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada). No caso concreto, impõe-se com maior rigor a observância desses princípios, por se tratar de tutela jurisdicional em que se busca, também, salvaguardar a proteção da posse e do uso de terras indígenas, com suas crenças e tradições culturais, aos quais o Texto Constitucional confere especial proteção (CF, art. 231 e §§), na linha determinante de que os Estados devem reconhecer e apoiar de forma apropriada a identidade, cultura e interesses das populações e comunidades indígenas, bem como habilitá-las a participar da promoção do desenvolvimento sustentável (Princípio 22 da ECO-92, reafirmado na Rio + 20).
XI- Embargos de declaração parcialmente providos, com modificação do resultado do julgamento.
XII – Apelação provida, em parte. Sentença reformada. Ação procedente, para coibir o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA de praticar qualquer ato administrativo, e tornar insubsistentes aqueles já praticados, referentes ao licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Estado do Pará, em decorrência da invalidade material do Decreto Legislativo nº. 788/2005, por violação à norma do art. 231, § 3º, da Constituição Federal, c/c os arts. 3º, item 1, 4º, itens 1 e 2, 6º, item 1, alíneas a, b, e c, e 2; 7º, itens 1, 2 e 4; 13, item 1; 14, item 1; e 15, itens 1 e 2 da Convenção nº. 169/OIT, ordenando às empresas executoras do empreendimento hidrelétrico Belo Monte, em referência, a imediata paralisação das atividades de sua implementação, sob pena de multa coercitiva, no montante de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), por dia de atraso no cumprimento do provimento mandamental em tela (CPC, art. 461, § 5º).
(TRF-1 – EDAC: 711 PA 2006.39.03.000711-8, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 13/08/2012, QUINTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.316 de 27/08/2012)
Possível observar também que a 5ª Turma do TRF1, nos autos do AI n. 0042106-84.2015.4.01.0000/PA, deixou consignado a aplicação do art. 231, §3º da CF/88, no caso em que envolve a TI Xikrin e o empreendimento Onça Puma, inclusive já fez menção sobre a possibilidade de participação de lavra.
Conforme se observa na ementa do acórdão prolatado nos autos da AI nº 0042106-84.2015.4.01.0000/PA, a 5ª Turma do TRF1, deixou assentado que “a extração mineral noticiada nos autos (…) deveria resultar, por determinação constitucional, na aferição do direito das comunidades indígenas afetadas, em participar do resultado da lavra do mineral perseguido pela empresa multinacional Vale S/A (CF, art. 231, § 3º)”.
Vejamos a ementa do referido acórdão:
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPLORAÇÃO MINERÁRIA (MINERAÇÃO ONÇA PUMA – MOP). IMPACTOS ETNO-AMBIENTAIS EM COMUNIDADES INDÍGENAS. ALDEIAS DO POVO KAYAPÓ E XIKRIN, LOCALIZADAS NA SUB-BACIA DO RIO CATETÉ E DO IGARAPÉ CARAPANÃ, NO ESTADO DO PARÁ. AUSÊNCIA DE IMPLEMENTAÇÃO DE CONDICIONANTES PREVISTAS NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL (PLANO DE GESTÃO ECONÔMICA E AMBIENTAL E DEMAIS MEDIDAS COMPENSATÓRIAS). RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREENDEDOR (VALE S/A). TUTELA CAUTELAR INIBITÓRIA E FIXAÇÃO DE INDENIZAÇÃO PROVISÓRIA. CABIMENTO.
I – Na espécie dos autos, afigura-se da responsabilidade do empreendedor o efetivo cumprimento das condicionantes previstas no licenciamento ambiental de empreendimento minerário instalado nas proximidades de terras indígenas.
II – Nesse contexto, constatado o descumprimento de condicionantes, consistentes na realização de Plano de Gestão Econômica e Ambiental e demais medidas compensatórias dos impactos negativos etno-ambientais decorrentes da implementação da Mineração Onça Puma, instalada nas proximidades de terras indígenas (aldeias do povo Kayapó e Xikrin, localizadas na sub-bacia do Rio Cateté e do Iagarapé Carapanã, no Estado do Pará), com efeitos danosos ao meio ambiente natural das referidas comunidades indígenas, afigura-se legítima a suspensão das atividades minerárias, ali instaladas, bem assim, o pagamento de justa indenização, ainda em caráter provisório, como forma de mitigar os nefastos reflexos já produzidos no seio das comunidades indígenas afetadas (grave lesão à saúde, à segurança e à subsistência de seus membros), como medida preventiva e inibitória, até o efetivo cumprimento de tais condicionantes, a ser devidamente apurado através de perícia multidisciplinar perante o juízo monocrático.
III – No caso em exame, diante da gravidade da situação fática constatada nas aludidas comunidades indígenas, resultante de cessação das atividades básicas de seus membros (prática da caça e da pesca), como meio de subsistência, em contraste com o elevado volume do proveito econômico e financeiro do empreendimento mineral em referência, a fixação do quantum indenizatório, na espécie, afigura-se razoável, num exame superficial e próprio das tutelas de urgência, em montante correspondente ao valor de 01 (um) salário-mínimo, por integrante de cada aldeia, por se adequar, ainda que não satisfatoriamente, à realidade sócio-econômica do cenário de danos, ali, ocorridos, até ulterior deliberação judicial, na dimensão da perícia multidisciplinar já determinada, e até porque a extração mineral, noticiada nos autos, na sub-bacia do Rio Cateté, com impactos negativos nas aludidas terras indígenas deveria resultar, por determinação constitucional, na aferição do direito das comunidades indígenas afetadas, em participar do resultado da lavra do mineral perseguido pela empresa multinacional Vale S/A (CF, art. 231, § 3º). Vencido, em parte, no ponto, o Relator, que fixava o valor da indenização provisória em R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais), para cada aldeia das comunidades indígenas descritas nos autos.
IV – O valor depositado judicialmente, a título indenizatório, em caráter provisório, haverá de ser destinado às respectivas comunidades indígenas beneficiárias, segundo critérios de aplicação e de prestação de contas estabelecidos em competente Termo de Ajustamento de Conduta, por elas celebrado perante o Ministério Público Federal, com observância das formalidades legais.
V- Agravo provido. Decisão agravada parcialmente reformada, para concessão da tutela de urgência formulada no feito de origem, em maior extensão (paralisação imediata das atividades de exploração mineral do empreendimento Onça Puma, no Estado do Pará e elevação do valor da indenização), judicialmente, fixada, com a garantia de decisão plenária do Supremo Tribunal Federal nos autos da Suspensão Liminar nº 933/PA (julgado em 31.05.2017), restando prejudicado o agravo interno.
ACÓRDÃO
Decide a Turma, por maioria, dar provimento ao agravo de instrumento e, por unanimidade, declarar prejudicado o agravo interno interposto.
Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Em 13/09/2017.
DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE
RELATOR
Grifos nossos.
É induvidoso que a localização do empreendimento minerário inserido na Amazônia Legal, ao entorno das terras indígenas, causa interferência direta ao mínimo existencial-ecológico desses povos, com reflexos negativos e irreversíveis para a sua sadia qualidade de vida e patrimônio cultural em suas terras imemoriais e tradicionalmente ocupadas, não sendo, portanto, necessário que o empreendimento de mineração, em sua estrutura física, esteja localizado no interior da Terra Indígena, para que seja aplicado o art. 231, §3ª da CF/88 ou ainda a Convenção 169 da OIT.
JOSÉ DIOGO DE OLIVEIRA LIMA
ADVOGADO
OAB/PA 16448